A barbárie é o estado de coisas no qual a irracionalidade toma conta da organização social e põe frente a frente homens anônimos.
Há, porém, dois tipos de barbárie. Uma arcaica, bruta e direta, e outra mais sofisticada, revestida com o véu ideológico da democracia moderna. Na primeira, não há contradições, mas conflitos diretos e claros, à luz do dia, na rua principal, olhos nos olhos, e, cada qual, com apenas uma arma. Há miséria, mas há justiça. O povo e sua barbárie se organizam pela soma desses conflitos. Não há mistério quanto às forças políticas. Na segunda, os conflitos são velados e se estendem anos a fio, obscurecidos por formas institucionais e burocráticas. E conflitos assim estabelecidos, sem resolução, estancados na história, pela sua permanência, ganham um status maior. A esta característica moderna, dá-se o nome de contradição social.
A vila de El Pueblo está, neste estágio de sua história, com um pé no passado e outro dando o seu primeiro passo no presente. Se, há menos de 50 anos, El Pueblo vivia conflitos armados diretos por terra, mulheres, armas e vinganças, hoje, começa a desfocar esse espectro e se formar um novo paradigma, mais velado e desfocado. Uma nova casta ameaça entrar pacificamente na vida comum de forma a violentar este povo com a aparência mágica de normalidade.
Se a vida no passado era ruim, agora, sem que o saibam, será pior ainda. Mesmo com as promessas de fim da fome, distribuição de terras e emprego, anuncia-se a formação de uma nova classe social que ocupará o topo da cadeia alimentar social de El Pueblo.
Para ocupar tal trono, esta nova classe sabe que tem que alternar a melhoria de vida de El Pueblo e, ao mesmo tempo, extorqui-la da forma mais sutil e astuta possível. Trata-se de um plano sagaz. Se tal plano falhar, a nova classe pode ser barbaramente deposta, ao estilo antigo.
Pois bem, ninguém sai de seu trono macio e respeitado do outro lado do mundo para vir a essas terras roídas arriscar sua carne a troco de banana. Ou sairiam?
Esta classe, novos coiotes, não vieram explorar tecnologia de ponta, nem indústria pesada, mas agricultura e, como sempre, trabalho barato. Seu lucro, neste caso, provém da forma mais clássica, embora moderna, de enriquecimento: escravidão, vide trabalho não pago, vide extração do que Marcus chamou de mais-valia.
El Pueblo, porém, não é burro, e, ao menor sinal de desconfiança, acaba com a festa dos pretendentes a novos navegantes. E os novos coiotes que vêm armados de muito dinheiro não querem ter uma bala de espingarda descendo goela abaixo sob um sol ácido de 40 graus. Para isso, leitores, existe o pulo do gato, existe o véu, a retórica sedutora de uma vida moderna.
Dom Sebastiam é um homem de bigodes apreciador de poesia e música clássica, conhecedor de história, amante de mulheres lindas, excelente comandante e orador. Nas suas narinas, passa um ar levemente temperado e ácido, mas inebriante, que eleva sua mente a pretensões quase divinas. Sua ambição é quase do tamanho de sua astúcia, o que não impede que, com um pouco de sorte ou fraqueza alheia, esta astúcia conduza-o às suas pretenções.
Ao chegar em El Pueblo, com as piores intenções e acompanhado de 200 homens organizados, armados e fiéis, deparou-se com um povo silencioso e de pretensões tão rasas quanto as raízes do solo. Só de chegar, já sentiu-se dono do lugar e passou a comprar casas e se achegar aos um pouco mais afortunados da região. Quase que naturalmente começou a tomar aquele povo de longo passado sem derramar uma única gota de sangue, apenas com a coerção que aqueles 200 homens exerciam. Mas a história tem lá seus saltos repentinos...
Cerca de duas semanas após sua acomodação no local, por acaso, nossas heroínas, sempre provindas de alguma aventura fantástica, aportaram seus cavalos e, ao colocar os pés na areia rasa, estancaram o movimento e, lentamente, sentindo o novo ar mais pesado, aplainaram suas atenções para algo novo, embora desconhecido. Se entreolharam como quem confirma o ineditismo do clímax e, astutas, fingindo serem quaisquer anônimas, adentraram andando naturalmente no meio da quase desértica rua principal de El Pueblo observando velhos nas sacadas e crianças brincando em duplas sentadinhas nos cantos, sem perder a atenção à estreiteza que a situação parecia anunciar.
Espontâneas e astutas, elas sempre estavam preparadas para se impressionarem com algo novo sem perder a precisão objetiva de suas mentes e mãos. Mas, como vimos, este encontro não se traduziria em um conflito comum, mas em um encontro de águas anunciado há 500 anos e cuja conseqüência deslocaria o eixo histórico daquele fundo mundo seco de gente, carne e galhos. Elas, bem sabemos, não sabiam disso. Não conheciam a profundidade história do conflito que as aguardava naquele futuro imediato daqui a poucos segundos. Embora astutas, elas não haviam desenvolvido tamanha perspicácia unicamente porque nunca haviam confrontado um inimigo que sabia não se apresentar como inimigo. Um inimigo que cuja astúcia estava em saber fazer-se desfocar frente uma arma clássica, arcaica e direta. Um inimigo que, na sua modernidade, sabia desmanchar-se no ar.
Sob uma câmera alta sobre a rua principal, as 4 ou 5 caminham feito presas sob sol quente cidadela adentro rumo a um confronto entre o passado e o futuro. O inimigo soube montar um cenário de luta no qual, uma vez iniciado o tiroteio bárbaro, poderia simplesmente dissipar-se, ausentar-se da luta, para, depois, findado o dilúvio, mortos os inimigos, retornar ao campo de batalha e recolher os corpos, as carteiras e o dinheiro e sentar-se no trono, como um rei clássico, e celebrar, sozinho, dono de tudo, o triunfo da modernidade bárbara. Uma tragédia estava anunciada.
Continua...
Há, porém, dois tipos de barbárie. Uma arcaica, bruta e direta, e outra mais sofisticada, revestida com o véu ideológico da democracia moderna. Na primeira, não há contradições, mas conflitos diretos e claros, à luz do dia, na rua principal, olhos nos olhos, e, cada qual, com apenas uma arma. Há miséria, mas há justiça. O povo e sua barbárie se organizam pela soma desses conflitos. Não há mistério quanto às forças políticas. Na segunda, os conflitos são velados e se estendem anos a fio, obscurecidos por formas institucionais e burocráticas. E conflitos assim estabelecidos, sem resolução, estancados na história, pela sua permanência, ganham um status maior. A esta característica moderna, dá-se o nome de contradição social.
A vila de El Pueblo está, neste estágio de sua história, com um pé no passado e outro dando o seu primeiro passo no presente. Se, há menos de 50 anos, El Pueblo vivia conflitos armados diretos por terra, mulheres, armas e vinganças, hoje, começa a desfocar esse espectro e se formar um novo paradigma, mais velado e desfocado. Uma nova casta ameaça entrar pacificamente na vida comum de forma a violentar este povo com a aparência mágica de normalidade.
Se a vida no passado era ruim, agora, sem que o saibam, será pior ainda. Mesmo com as promessas de fim da fome, distribuição de terras e emprego, anuncia-se a formação de uma nova classe social que ocupará o topo da cadeia alimentar social de El Pueblo.
Para ocupar tal trono, esta nova classe sabe que tem que alternar a melhoria de vida de El Pueblo e, ao mesmo tempo, extorqui-la da forma mais sutil e astuta possível. Trata-se de um plano sagaz. Se tal plano falhar, a nova classe pode ser barbaramente deposta, ao estilo antigo.
Pois bem, ninguém sai de seu trono macio e respeitado do outro lado do mundo para vir a essas terras roídas arriscar sua carne a troco de banana. Ou sairiam?
Esta classe, novos coiotes, não vieram explorar tecnologia de ponta, nem indústria pesada, mas agricultura e, como sempre, trabalho barato. Seu lucro, neste caso, provém da forma mais clássica, embora moderna, de enriquecimento: escravidão, vide trabalho não pago, vide extração do que Marcus chamou de mais-valia.
El Pueblo, porém, não é burro, e, ao menor sinal de desconfiança, acaba com a festa dos pretendentes a novos navegantes. E os novos coiotes que vêm armados de muito dinheiro não querem ter uma bala de espingarda descendo goela abaixo sob um sol ácido de 40 graus. Para isso, leitores, existe o pulo do gato, existe o véu, a retórica sedutora de uma vida moderna.
Dom Sebastiam é um homem de bigodes apreciador de poesia e música clássica, conhecedor de história, amante de mulheres lindas, excelente comandante e orador. Nas suas narinas, passa um ar levemente temperado e ácido, mas inebriante, que eleva sua mente a pretensões quase divinas. Sua ambição é quase do tamanho de sua astúcia, o que não impede que, com um pouco de sorte ou fraqueza alheia, esta astúcia conduza-o às suas pretenções.
Ao chegar em El Pueblo, com as piores intenções e acompanhado de 200 homens organizados, armados e fiéis, deparou-se com um povo silencioso e de pretensões tão rasas quanto as raízes do solo. Só de chegar, já sentiu-se dono do lugar e passou a comprar casas e se achegar aos um pouco mais afortunados da região. Quase que naturalmente começou a tomar aquele povo de longo passado sem derramar uma única gota de sangue, apenas com a coerção que aqueles 200 homens exerciam. Mas a história tem lá seus saltos repentinos...
Cerca de duas semanas após sua acomodação no local, por acaso, nossas heroínas, sempre provindas de alguma aventura fantástica, aportaram seus cavalos e, ao colocar os pés na areia rasa, estancaram o movimento e, lentamente, sentindo o novo ar mais pesado, aplainaram suas atenções para algo novo, embora desconhecido. Se entreolharam como quem confirma o ineditismo do clímax e, astutas, fingindo serem quaisquer anônimas, adentraram andando naturalmente no meio da quase desértica rua principal de El Pueblo observando velhos nas sacadas e crianças brincando em duplas sentadinhas nos cantos, sem perder a atenção à estreiteza que a situação parecia anunciar.
Espontâneas e astutas, elas sempre estavam preparadas para se impressionarem com algo novo sem perder a precisão objetiva de suas mentes e mãos. Mas, como vimos, este encontro não se traduziria em um conflito comum, mas em um encontro de águas anunciado há 500 anos e cuja conseqüência deslocaria o eixo histórico daquele fundo mundo seco de gente, carne e galhos. Elas, bem sabemos, não sabiam disso. Não conheciam a profundidade história do conflito que as aguardava naquele futuro imediato daqui a poucos segundos. Embora astutas, elas não haviam desenvolvido tamanha perspicácia unicamente porque nunca haviam confrontado um inimigo que sabia não se apresentar como inimigo. Um inimigo que cuja astúcia estava em saber fazer-se desfocar frente uma arma clássica, arcaica e direta. Um inimigo que, na sua modernidade, sabia desmanchar-se no ar.
Sob uma câmera alta sobre a rua principal, as 4 ou 5 caminham feito presas sob sol quente cidadela adentro rumo a um confronto entre o passado e o futuro. O inimigo soube montar um cenário de luta no qual, uma vez iniciado o tiroteio bárbaro, poderia simplesmente dissipar-se, ausentar-se da luta, para, depois, findado o dilúvio, mortos os inimigos, retornar ao campo de batalha e recolher os corpos, as carteiras e o dinheiro e sentar-se no trono, como um rei clássico, e celebrar, sozinho, dono de tudo, o triunfo da modernidade bárbara. Uma tragédia estava anunciada.
Continua...
6 comentarios:
Tijuana, 26 de marzo de 2009
El Justiciero,
Sei que andas um pouco afastado de nosso pueblo, que partiste com teu cavalo para outras fontes e outras areias. Sei também que já não apareces tão frequente em nossas histórias.
Tudo talvez por duas frases que sairam de tua boca: "elas não vivem sem mim" e "isso tudo é brega".
E mesmo de tão longe, tú queres deixar teu olhar "um pouco" sociólogo. Nós gostamos, para variar, só um pouco. O que me deixa sem cabelos, é o fim. Estás tentando nos matar, Justiciero? O que queres? O deserto só para ti?
Zizzo chegou, devagar, mas chegou. Zali veio atropelando todo mundo com seu cavalo. Pistoleras natas serão sempre bem-vindas e teus amigos forasteros também.
Escrevo além de tudo, para te comunicar que estamos com saudade de atirar ao teu lado e que o deserto sem ti, é quase um deserto sem cactos.
Volte.
La Señora Zargarida está muito doente, está 7 dias deitada na mesma posição na cama. Não se mexe e nem fala. Só tosse.
Chegaram 3 coyotes no pueblo e se instalaram na capela se Santa Pilar, descobrimos que sao procurados pela polícia dos Estados Unidos.
Volte, estamos te esperando. Sede de señor Zara Jevo.
um beijo
Zizinha
Zizinha, Zarcas, Zezão, Zali, Zizzo e todos são eternos. Mas não sou eu, Justiciero, quem decide o futuro das pistoleras. Não quero o deserto só para mim. Quero deserto livre! A história da tragédia que se anuncia não escrita pela minha mão. O protagonista desta história não é Zizinha, Zarcas, Zezão, Zali ou Zizzo mas o próprio deserto. Eu apenas relato. Amo o deserto e torço por vocês. Mas, reparem, neste caso, o futuro do desrto está nas mãos das pistoleras. Será que elas conseguirão salvá-lo?
Se algo ocorrer, saibam, que sempre as amarei...
hasta la vista... babe!
Caros compañeros,
Meu coração está doendo...
Os últimos relatos de El Justiciero me deixaram preocupada! Por favor mandem notícias, pois não recebo cartas desde nossa bela despedida...EXTRANÕ A TODOS USTEDES! MI AMORES!
Zermana
Ichhhhhhhh!!!!!! Justiceiro estoy con mi corazon tiquito ahora! Las Pistoleras controlam o deserto e isso eh uma batalha diaria nunca por sequer um segundo viramos as costas para ele. Mas tuas palavras foram preocupantes.....estas sabendo de algo que nao quer nos revelar???? Ou sera que esse escrevendo eh o mestre dos magos disfarcado de Justiceiro...
Ou será o mestre dos magos disfarçado de el justiciero disfarçado de Boa Samaritana?
Aviso: El señor Zara Jevo também está doente! Situação preocupante.
Que Deus o abençoe!
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